No site do percussionista americano Sammy
Figueroa, o anúncio do disco Talisman apresenta Glaucia Nasser como uma cantora
brasileira de jazz. Um pouco porque o circuito percorrido pelo casal nos Estados
Unidos tem a ver com a tradição da música americana. Outro tanto porque Sammy
Figueroa tocou nas bandas de Miles Davis e Sonny Rollins.Um bocado porque a
música brasileira sofisticada, de Tom Jobim e João Gilberto a Ivan Lins e
Milton Nascimento, encontra espaço entre os ouvintes do gênero.Assim, a
possibilidade de Glaucia Nasser tornar-se conhecida fora do Brasil é mais do
que palpável. Se não é uma surpresa, não deixa de ser um sintoma.
Talisman é um amuleto que ela carrega no
peito como se fosse uma joia da coroa. O disco, afinal, resulta do encontro com
Sammy Figueroa, que se deu por acaso num concerto na Galeria de Jazz da WDNA,
em Miami, em 2013. “Ele foi assistir à apresentação de Chico Pinheiro, que
considera um dos melhores guitarristas do mundo”, ela conta.“E a intenção de
Sammy Figueroa era gravar com ele, não comigo”. Mas Glaucia Nasser subiu ao
palco antes de Chico Pinheiro. Quis o destino que o coração de Sammy Figueroa
batesse mais forte enquanto ela cantava. Até aquele momento, ela tinha lançado
quatro CDs. O primeiro com seu nome em 2003, Bem Demais (2006), A Vida Num
Segundo (2008) e Vambora (2010, quase um vaticínio).
A magia estabeleceu um namoro que levou
cada um dos pares a pesquisar a fundo a música do outro. Rachel Faro, produtora
de Sammy Figueroa, foi convidada a entrar na festa. O improvável, que todo
mundo viesse gravar no Brasil, aconteceu com arranjos ainda mais improváveis.
Chico Pinheiro trouxe guitarras e violões para dividir solos e harmonias com
Michi Ruzitschka. O nome é estranho porque ele é austríaco, embora colaborador
de uma infinidade de artistas brasileiros. O baixo de Fernando Rosa fez-se
ouvir com brilho intenso. Bernardo Aguiar e Chrystian Galante complementaram o
arsenal percussivo.
Bianca Gismonti, filha de Egberto, tocou
piano em duas faixas e Julio Falavigna incluiu cajon em uma delas.
“Gravamos em uma semana”, diz Glaucia
Nasser.“A mixagem e a masterização foram feitas nos Estados Unidos”. A produção
independente, oferecida a selos e gravadoras (nacionais, inclusive), acabou na
Savant Records, criada por Joe e seu filho Barney Fields, especializada
(adivinhe) em jazz,que topou a parada em dois dias.
“Para fechar o negócio, eles compraram a
fita master (a gravação original,de onde saem as cópias).”A distribuição brasileira,no
entanto, ficou nas mãos da cantora.A campanha de lançamento, por aqui,
começa neste mês, mas os primeiros shows no Brasil, com a presença de Sammy
Figueroa, serão realizados no próximo mês de março. De outubro a setembro, a
agenda, preenchida no exterior, acrescentou Europa e Rússia ao roteiro.“Não tivemos
menos que cinco estrelas em todos os guias de espetáculos.”
Outro motivo de orgulho para Glaucia
Nasser é que a última artista brasileira contratada pela gravadora, Astrud
Gilberto, é a mulher de João. Além disso, o produtor americano Roy Cicala, que
trabalhou com John Lennon, Frank Sinatra,
David Bowie, Lou Reed, Jimi Hendrix, Aretha Franklin, Bruce Springsteen (os
nomes que orbitaram sua atmosfera não caberiam neste espaço), ofereceu o
estúdio South America Plant, em São Paulo, para captar a voz de Glaucia Nasser.
O destino, desta vez, não permitiu a realização do sonho. Roy Cicala morreu, em
decorrência de um câncer no fêmur, um dia antes, em 21 de janeiro.
Coube a Eduardo Marson seguir as
orientações deixadas por ele e tocar o barco adiante. A mineira Glaucia Nasser
tem lembranças de ver-se cantando aos cinco anos de idade. Na juventude, os
conselhos do pai a levaram à faculdade de Administração. “Mas eu chorava ao ver
artistas no palco e, depois de um problema de saúde grave, decidi seguir minha
vocação e entrei numa banda de baile”. Um amigo começou a compor para sua voz.
Daí para o primeiro registro foi um pulo. A faixa de
abertura do primeiro disco, Lábios de Cetim, entrou na coletânea Acoustic
Brazil, do selo Putumayo, ao lado de Caetano Veloso e Chico Buarque.
E na trilha sonora do filme O Visitante,
de Thomas Mc Carthy, indicado ao Oscar em 2009.
Atualmente, Glaucia Nasser espera a
masterização de seu novo CD, Em Casa, com viola, violão, baixo e percussão.
Enfrentando a crise de cultura que assola o País. “O Brasil não escuta música
brasileira de qualidade”, lamenta. “As crianças só estão ouvindo sertanejo, e a
melodia do sertanejo é muito simples.Ela começa e você sabe onde termina. Nada
de errado em ouvir música sertaneja. Mas todo mundo tem que ter
acesso à melodia de Milton Nascimento”. Citando Querelas do Brasil, de Aldir Blanc
eMaurícioTapajós, gravada porElisRegina, Glaucia Nasser afirma que o Brazil não
conhece o Brasil. Pior do que isso, o Brazil está matando o Brasil. Haja
talismã.
ADALTO ALVES